Guerra Naval: Triéreis

A partir do início do século V a.C. a guerra no mar no Mediterrâneo oriental foi dominada por um navio veloz e incrivelmente eficiente para os padrões da época: a Triéres. Esse tipo de galera contava com três níveis de remadores e sua origem teria sido fenícia. Teriam sido os coríntios que, pela primeira vez, construíram esse tipo de navio entre os Hellénes.

Após a vitória dos atenáios em Maratóna (490 a.C.), Temistoklés alertou seus concidadãos de que os persas voltariam e conseguiu convencê-los a usar a prata recém-descoberta na Attiké para construir uma frota de 100 triéreis. Essa decisão permitiu a vitória dos aliados hellénes sobre a frota persa em três anos depois em Salamína (480 a.C.) e mudou a história do ocidente. 

Muito do que se sabe atualmente sobre a Triéres (ou se imagina saber já que não sobrou nenhum casco antigo) foi obtido com a construção de uma réplica de uma triéres do século V a.C., realizada em parceria entre o Trireme Trust (um fundo criado em 1982 pelo historiador e acadêmico John Morrison, pelo arquiteto naval John Coates e pelo escritor Frank Welsh), e a Hellenic Navy. Seu objetivo era investigar uma controvérsia secular sobre a natureza da Triéres e essa colaboração resultou na HS-Olympiás, lançada ao mar em 1987. Uma série de seis testes no mar entre 1987 e 1994 demonstrou que o navio poderia ser remado com eficiência e rapidez com um arranjo de remos em três níveis, apesar da opinião acadêmica quase universal até então de que isso era totalmente impraticável.

O Návio

A triéres possuía dois mastros para velas e espaço para 170 remadores dispostos em três níveis. As velas eram usadas para os deslocamentos sempre que possível, deixando os remos para os casos de vento contrário e, principalmente, para as batalhas.

  • A leveza e o equilíbrio (e não a resistência e a proteção) eram as marcas desse navio.
  • As dimensões da Olympiás são: Comprimento de 36.9 metros, Altura de 5.5 metros, Largura de 5.3 metros e Calado 1.25 metro. Quando tripulada uma triéres pesava em média 70 toneladas.
  • Por relatos antigos sabe-se que a velocidade a remos variava entre 5 e 7 nós (ou 9,2 e 13,0 km/hora), calculadas a partir de descrição de percursos e tempos na literatura. Velocidades maiores do que 10 nós (ou mesmo 15) podiam ser alcançadas, mas somente por poucos minutos para uma eventual estocada final. Em casos de necessidade, há exemplos de viagens de 240 km coberta entre 16 e 18 horas. Nesses casos, o tempo de percurso era dividido em dois turnos de 7 a 8 horas cada, com parada de 2 horas para as refeições (já que uma triéres não carregava mantimentos e água em condições normais). Em 427 a.C., em uma emergência, uma triéres ateniense navegou cerca de 340 km sob remos sem paradas. Neste caso, os remadores comeram alternadamente pão de cevada misturado com vinho e óleo de oliva. O pernoite também era feito em terra, já que não havia lugar a bordo.
  • A estabilidade da estrutura do casco do navio era garantida por uma corda muito reforçada com cerca de 100 metros de comprimento que ligava a popa e a proa (a Hipozômata). A rigidez era obtida após essa corda ser torcida até ficar bem tensionada.
  • Na véspera do combate todos os itens não necessários eram retirados de bordo, incluindo mastros e velas, todos eles deixados em um acampamento em terra. As triéreis combatiam assim sem carga extra para possibilitar maior velocidade e manobrabilidade.
  • Devido ao seu baixo calado, quando as ondas se tornavam um pouco maiores, os remos do nível mais baixo eram recolhidos e as aberturas eram lacradas com tampas de madeira e couro (as Askômas), para evitar a entrada de água. Se a situação piorasse, o navio deveria se abrigar em terra.
  • Quando os navios eram erguidos para as docas (onde eram construídos e sofriam manutenção) era necessário o uso da força de pelo menos 140 homens. No sentido oposto, o número era menor, cerca de 120.
 
  • O Casco:
  • O melhor tipo de madeira para o casco era o Abeto, por sua leveza. O Pinho, outra madeira disponível, era mais pesado e utilizado apenas em cargueiros a vela, bem menores. O Cedro da Síria era raro e pouco usado. Para a quilha usava-se o carvalho.
  • Para a estrutura interna usava-se o freixo, o pinho, a amoreira e o olmo.
  • As juntas eram preenchidas com fibras de linho embebidas em resinas para manter a estanqueidade do casco que, por sua vez, era calafetado com breu. Isso lhe dava a cor negra próximo à linha d’água.
  • A parte superior do casco, acima da linha d’água, era pintada e decorada. Era usual pintar dois grandes olhos na proa de forma a inspirar o terror no inimigo, como se o navio tivesse vida.
  • Remos e Mastros:
  • O mastro também era feito de abeto e os remos de abeto mais jovem, oriundos da Makedonía ou da Tráke.
  • Os remos tinham 4,2 metros de comprimento, sendo a “pá” variando de 1,5 m (tranitas) a 2 m de comprimento (talamitas).
  • Velas e cordas
  • As velas eram feitas com fibras de linho e papiro, sendo a última a mais leve. O mesmo ocorria com as cordas.

TRIPULAÇÃO

  • [01] Triérarkos: o equivalente ao capitão, mas diferentemente de um comandante puramente naval era também responsável pelo financiamento parcial da operação do Navio. Era escolhido anualmente entre os homens que poderiam bancar essa grande despesa pelos strategói, aqueles que comandariam de fato a frota.

  • [01] Pentekontárkos: o intendente e tesoureiro, era responsável por comprar os mantimentos, pagar os homens, além de ser uma espécie de secretário do triérarkos.

  • [10] Epibátai: infantaria a bordo, respondiam diretamente ao Triérarkos e se posicionavam no deque para, eventualmente, abordar as naus inimigas.

  • [04] Arqueiros: atuavam como guarda-costas do Triérarkos e kubernétes. Posicionavam-se na popa.

  • [01] Kibernétes: responsável pelo manejo do navio. Era o segundo a bordo e comandava todos os outros membros, exceto os acima. Sua normalmente maior experiência o punha em conflito potencial com o Triérarkos.

  • [01] Prôirates: oficial de proa, responsável pela navegação e pelas operações com a vela de barco (à frente).

  • [01] Náupegos: o carpinteiro, realizava reparos de bordo.

  • [01] Keleustés: era responsável direto pelos remadores, estimulando-os para conseguir sua melhor performance. Sua boa relação com os remadores era fundamental para a performance geral do navio. Posicionava-se no meio do navio.

  • [01] Flautista: marcava o ritmo dos remos com sua flauta, respondia ao Keleustés.

  • [10] Marinheiros: 5 deles davam apoio direto ao Prôirates (na plataforma da proa) enquanto os outros 5 davam apoio ao Kubernétes, na plataforma da popa. Manejavam as velas e outros equipamentos. Atuavam também como remadores reservas e deviam manter o navio a salvo de se chocar com outro através de hastes longas.

  • [170] Náutai: remadores (62 Tranitas – remadores no topo, 54 Zeugitai – remadores intermediários, 54 Talamitas – remadores mais próximos da água (a pior posição)). Eram comandados pelo Keleustés. Cada um deles deveria ser capaz de carregar seu próprio remo, sua almofada e sua cinta para amarrar o remo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRIPULAÇÃO

  • Não havia meios para qualquer outra pólis completar as tripulações de muitos navios com seus próprios cidadãos. Sendo assim, aliados eram convocados para completar os quadros. Ao contrário do imaginário popular, apenas em casos excepcionais os escravos eram utilizados também. Um exemplo disso foi a batalha das Arginôusai (406 a.C.) quando os atenienses prometeram a liberdade para os escravos que lutassem como remadores.

  • Os remadores eventualmente podiam combater em terra como infantaria leve (com exceção dos talamitas) mas, como eram especialistas e por isso muito valiosos, não deveriam se expor sem que houvesse a necessidade absoluta.

  • O estado pagava um bônus básico às tripulações, restando ao triérarkos o complemento na forma de bônus.

  • Dadas as condições, os remadores provavelmente enfrentavam calor intenso e permaneciam molhados de suor. No caso dos talamitas (nível mais baixo), a situação era ainda pior: não enxergavam nada, nem mesmo os remos batendo na água. Recebiam a água que esguichava pelas laterais e que entrava pelo fundo, além do suor que pingava de seus colegas nos níveis superiores. O cheiro de suor, urina, flatulência (e eventualmente fezes) tornavam o ambiente interno terrível em dias de calor. A cacofonia de sons era enorme e o Keleustés berrava o tempo todo acima do barulho das remadas e da flauta.

  • Aos tranitas (no nível mais alto) restava a vantagem da brisa que recebiam e do ar mais puro, além de receberem salários maiores. Mas, por outro lado, estavam sujeitos a serem atingidos por flechas e dardos dos inimigos, já que ficavam expostos.

  • O uso de almofadas pelos remadores era um item crítico para diminuir o desconforto e evitar feridas nas nádegas.
    Havia uma pequena acomodação para o Triérarkos na popa, abaixo do deque.
    Os homens postados no deque deveriam ficar sentados sempre que possível, pois, ao caminhar por ele, poderiam desestabilizar o navio ou mesmo cair no mar.

O Combate

  • As frotas se deslocavam em geral em colunas para não se estenderem por uma distância muito grande. As correntes marítimas, sobretudo no Helléspontos, podiam prejudicar severamente sua organização, principalmente quando alinhadas para o combate.

  • A triéres não era um navio para transportar homens armados, era a própria arma de guerra. O esporão de bronze era sua própria lança utilizada para perfurar o casco do navio inimigo e colocá-lo fora de combate. Com seus dois olhos na proa, o navio movia-se como um organismo vivo em busca de sua presa e a visão de uma centena desses predadores vindo em sua direção certamente apavoraria alguém despreparado. O silvo dos remos batendo na água de forma acelerada tornava o momento ainda mais aterrorizante.

  • Para atingir seu objetivo o kubernétes (o piloto do navio) utilizava-se de duas manobras navais: o Diékplous e o Périplous. A primeira consistia em cruzar a linha inimiga por entre dois navios para atacar pela retaguarda, enquanto a segunda consistia em dar a volta e atingir os inimigos pela lateral.

  • Para os remadores dos níveis inferiores uma batalha era um mundo às cegas, pois nada conseguiam ver até o seu próprio navio ser eventualmente atingido. 
 
  • Nos estágios finais, antes do golpe, os gritos dos colegas no nível mais alto dos remos e os do convés poderiam levar aqueles que remavam abaixo ao desespero. Tripulações inexperientes poderiam largar os remos e selar o destino do navio.

  • Quando o casco era perfurado, todos a bordo (e em especial os remadores) eram jogados uns contra os outros. Instalava-se um verdadeiro pandemônio a bordo, pois a água inundava rapidamente o navio. Mesmo sem estarem presos por correntes (como escravos nos navios romanos), os remadores podiam ser tragados pela água. Aqueles nos níveis inferiores tinham menos chance de sobreviverem de um navio atingido por um ataque inimigo.

  • Caso eles conseguissem sair, a opção era nadar para uma praia ou costão, o que, em geral, não era inviável, pois raramente as frotas lutavam em mar aberto. Após a derrota em Nôtion, por exemplo, a maioria dos remadores atenienses conseguiu se salvar mesmo com a perda de 22 navios. Eles simplesmente nadaram até a costa. Porém, no caso das Arginôusai, em média a cinco quilômetros de distância do litoral e em meio a uma tempestade, essa opção não estava à mão e quase todos os tripulantes das 25 naus perdidas morreram afogados.

  • A morte por afogamento era uma das piores formas de morrer para os hellénes. Além da imensa dor e do desespero de sentir-se sendo engolido pelo mar, a ideia de que seu corpo seria comido por peixes ou apodreceria em uma praia no mar, enquanto sua alma ficaria vagando para sempre, deixavam-nos aterrorizados.

  • Ao serem atingidos com menor força, os homens tentavam tapar o furo com pranchas, estopa e pregos. Não conseguindo isso punham-se ao mar. Mas mesmo aqueles que sabiam e podiam nadar, muitas vezes eram alvos dos arqueiros dos navios inimigos ou de serem atropelados por eles. Eliminar remadores inimigos era vital para destruir a sua capacidade de se manter na guerra.

  • Como as triéreis não afundavam os cascos inundados podiam ser rebocados ao final das batalhas e eventualmente recuperados para serem incorporados à frota vencedora.

Principais Fontes:

MORRISON J. S., Coates J. F and Rankov, N. B. – The Athenian Trireme: The History and Reconstruction of an Ancient Greek Warship (Cambridge, 2000).


HAW, T. – The Trireme Project: Operational Experience 1987-90, Lessons Learnt (Oxford, 1993).


CASSON, L. – The Ancient Mariners: Seafarers and Sea Fighters of the Mediterranean in Ancient Times (Princeton-NJ, 1991).

Links para ver a HS-Olympiás em ação:

https://www.youtube.com/watch?v=INGl8LB9Zxo

https://www.youtube.com/watch?v=W1YE0TFxhCM