Personagens

Principais

Áristos: Tentei mostrar Áristos, filho de Lísippos, como um típico spartiátes da velha tradição isolacionista e, portanto, avesso a qualquer aventura longe das fronteiras de seu país. Para ele, a guerra contra os atenáioi é um mal necessário que tem como único objetivo libertar os outros hellénes do julgo opressor dos primeiros, mas sem quaisquer outros interesses expansionistas. Após a vitória (de preferência obtida com nobreza em um choque de falanges de hoplítai), os lakedaimónioi deveriam voltar para casa e se concentrar em defender permanentemente suas famílias da ameaça constante dos héilotai. Sua relação com seu pai mostra bem o conflito entre as duas posições.

Melántios: O atenáio Melántios representa uma geração de antigos aristocratas com vínculos agrários empobrecidos pelas contínuas contribuições obrigatórias para o esforço de guerra. Tal como Áristos, ele tem uma posição contrária à guerra, embora não possam ser classificados como antimilitaristas, um conceito inapropriado em um mundo de violência endêmica. O império atenáio também é questionado não só por ter dado maior relevância à classe mais baixa (os remadores que movem os navios), como pelo alto custo pago pelas classes mais abastadas, em especial pelo financiamento da operação da frota.

Amfaréte: A história real da cortesã Néaira serviu de base para a personagem Amfaréte. Néaira provavelmente nasceu em Corinto e foi adquirida ainda na infância por uma mulher chamada Nikaréte que a treinou junto com outras meninas para ser uma hetáira, tratadas por ela como “filhas”, uma forma cínica de valorizar o seu preço. Repliquei isso com Amfaréte e sua proprietária Eupráxia. O livro Courtesans & Fishcakes: The Consuming Passions of Classical Athens de James Davidson é particularmente rico na descrição (muito menos glamurosa do que alguns imaginam) de quem eram e como viviam essas mulheres. Outra fonte interessante é Athenian Prostitution: The Business of Sex, de E. Cohen. A descrição de Amfaréte como tendo olhos azuis esverdeados, cabelos ruivos avermelhados e a pele muito branca com sardas, é baseada nas características típicas dos tráikes (trácios), povo bárbaro que vivia ao norte do Mar Egeu.

Teraménes: O atenáio Teraménes, filho de Hágnon de Stéiria, é um personagem histórico real envolto em polêmica. Mesmo na antiguidade já havia grande divergência sobre o seu caráter e críticas quanto à sua conduta. É notável como ele tenha sido descrito tanto como um vilão por Lisías (Contra Eratóstenes), quanto como um dos melhores políticos que Atênai já tivera por Aristotéles (Política). Dois trabalhos de PhD escrutinam detalhadamente a sua biografia: Theramenes, Thrasybulus and the Athenian Moderates (William McCoy) e Theramenes and Athenian Politics: A Study in the Manipulation of History (G.E. Pesely). Ambos foram muito úteis para tentar entender quem foi realmente esse homem. Outro livro que utilizei, apesar de não concordar plenamente com a visão muito negativa do autor, foi O Mundo de Atênai, de Luciano Cânfora (surpreendentemente traduzido para o português). Sabe-se com certeza que ele era um homem rico e influente, mas, salvo pelo fato de ser filho de Hágnon, um amigo de Péricles, não há muita informação sobre sua família.

Lísandros: O náuarkos lakedaimónio é outro personagem real com grande destaque em textos de historiadores antigos e modernos. Para construir minha versão, eu me baseei principalmente na dissertação de Paul Rahe, Lysander and the Spartan Settlement, 407-403 B.C., mas sem deixar de lado os relatos antigos. Há duas biografias dele escritas na antiguidade, Plutarco e C. Nepos. Embora quase nada se saiba de sua vida pregressa ao seu primeiro mandato como náuarkos em 407 a.C., é certo que Lísandros era um mothax, designação para um spartiátes cuja pai empobrecera e já não tinha mais condições de pagar as refeições comunitárias requeridas pela lei. Há outra versão de que um mothax seria um filho de spartiátes com uma mulher héilotes. Em todo caso, preferi a primeira. A história o registrou como um vilão clássico que teve sua ascensão política tardia, provavelmente graças às ligações que tinha com o rei Ágis II e com seu irmão Agesílaos. A sua tendência a depressão é citada por Nepos. Contudo, sua participação nas grandes derrotas dos peloponésios em Kinóssema, Ábidos e Kízikos foi uma liberdade que tomei na suposição de que ele deveria ter alguma experiência prévia ao seu período como náuarkos (ainda que isso, estranhamente, não fosse uma exigência). Suas visitas a Sárdeis e sua proximidade com o jovem príncipe Kíros foram registradas por Xenofôn e Plutarco.

Trasíbulos: O verdadeiro Trasíbulos, filho de Líkos de Stéiria, era um atenáio de família abastada. Como personagem, ele será mais bem explorado no segundo volume da série. O excelente livro Thrasybulus and the Athenian Democracy, The Life of an Athenian Statesman de Robert Buck foi a melhor fonte que encontrei sobre sua vida. O que se sabe é que tinha um filho também chamado Trasíbulos e uma filha, cujo nome não foi registrado. Tendo sido um triérarkos, supõe-se que deveria ter certas posses. A sua tendência para a bebida é criação minha, o que provavelmente é injusto com ele, pois não há nada nas fontes existentes que desabone esse grande cidadão e patriota, pelo contrário. O escritor e viajante Pausânias visitou o seu túmulo quinhentos anos mais tarde e classificou Trasíbulos como o maior de todos os atenáioi, tendo superado até mesmo o grande Péricles. Sua suposta ligação com Teraménes vem da tese de McCoy (citada acima), embora nem todos os historiadores concordem com ele. O certo é que os dois homens pertenciam ao mesmo dême e, embora tivessem posições contrárias, não eram radicais em suas posições, tendo atuado juntos por alguns anos como strategói ao lado de Alcibíades. Por isso, decidi apresentá-los como antigos amigos.

Hippólite: a esposa de Áristos e mãe de seus dois filhos é a herdeira única de um dos homens mais ricos de seu país. Tentei mostrá-la como uma típica mulher espartana, com um grau excepcional de liberdade para os padrões gregos. Ela tem gênio forte, espírito livre e é adepta às atividades físicas, tal como suas concidadãs. Eu me baseei principalmente no livro Spartan Woman de Sarah Pomeroy para desenvolver a personagem. Muito embora seja comum pensar que as espartanas fossem também guerreiras, como seus homens, isso não corresponde à realidade, pois não há menção na literatura remanescente sobre qualquer caso em que uma mulher tenha pegado em armas contra inimigos.

Agláia: a irmã caçula de Melántios é uma típica mulher atenáio, reclusa e praticamente sem liberdade que se casou com um membro distante da família na idade regular de quinze anos, tal como suas concidadãs. No começo da história ela já é viúva e mãe de duas meninas. O contraste com Hippólite reflete a realidade muito diferente entre mulheres de dois países dentro de uma mesma cultura (hellênika). Ironicamente, os toscos lakedaimónioi tratavam suas mulheres com muito mais consideração do que os sofisticados atenáioi. As duas principais obras que consultei para construir essa personagem foram: Women in Ancient Greece de Sue Blundell e Before Sexuality: The Construction of Erotic Experience in the Ancient Greek World de D. Halperin.

Coadjuvantes

Epikidídas: colega de Áristos na agogá e, em alguns aspectos, parecido com ele.

Gíllis: um héilotes típico ligado ao kléros (uma fazenda) pertencente a um spartiátes, no caso, o pai de Hippólite. Seu sonho de se libertar de sua condição leva-o a candidatar-se ao chamado dos éforos para reunir novos neodamôdeis, guerreiros para compor o exército lakedaimónio, mas sem direitos políticos.

Xantíppe: uma mulher capturada na guerra que se torna amante de Melántios. Milhares de mulheres foram escravizadas em meio a guerras ao longo da história, tendo destinos os mais variáveis possíveis. A ideia veio de um relacionamento real (e muito criticado em seu tempo) entre Alkibiádes e uma mulher capturada e escravizada por ele quando atenáioi tomaram a ilha de Mélos (a Milos atual).

Timáia: a bela esposa do rei Ágis é uma personagem real. Sua ligação com Alkibiádes no tempo em que este viveu em Spárte é, provavelmente, verdadeira. Daí os boatos de que seu filho Leotikídas seria, na verdade, o filho do atenáio e não do Rei. Contudo, seu suposto affair anterior com Lísandros é uma invenção minha. O que é fato, é que, anos mais tarde, o mesmo Lísandros acusou Leotikídas (filho de Timáia) de ser um bastardo e, portanto, não apto a suceder seu pai.

Mirríne: completando minha lista de personagens femininas, Mirríne é também baseada parcialmente na história de Néaira, agora sob outro aspecto de sua vida. Quando ainda era jovem, Néaira foi comprada em sociedade por dois homens, Timanóridas de Kórintos e Eukrátes de Leukás. A operação custou trinta mnái, um alto preço para uma escrava. Quando, posteriormente, os dois homens decidiram se casar, eles concordaram em deixar Néaira comprar sua liberdade com um desconto por vinte mnái, dinheiro que ela obtivera com a ajuda de presentes e empréstimos de seus outros clientes.

Xantías: kibernétes da trirreme Delfínea, comandada por Melántios. Sua inserção como personagem na história tenta demonstrar o conflito potencial entre o líder formal de um navio, o triérarkos, escolhido por suas posses e pela condição de bancar parte das despesas, e o líder tático, o kibernétes. Há citações na literatura de que os bônus pagos aos melhores kibernétes poderiam ser bem significativos.

Thórax: é um personagem real que, de fato, comandou o ataque a Lámpsakos. Embora não seja citado no comando das forças terrestres que desembarcaram Aigospotamói, na margem norte do Helléspontos, achei que sua participação seria natural. Suas vilanias foram deduzidas por mim a partir da sua conduta posterior aos eventos do primeiro volume.

Sokrátes: minha visão não muito positiva do famoso filósofo foi muito influenciada pelo livro O julgamento de Sócrates do jornalista político americano I. F. Stone. Nele, o autor admite ter inicialmente decidido escrever um livro para defendê-lo com um exemplo de restrição à liberdade de expressão na democrática Atênai, tomando-o como uma pobre vítima de uma sociedade ensandecida. Porém, ao longo de sua pesquisa, relata Stone, ele acabou por concluir que o filósofo sempre foi hostil à essência de tudo o que Atênai representava na época, não sendo, portanto, exatamente uma vítima completamente inocente do que era acusado. Parte de seus alunos viriam a ter um papel nefasto na história de Atênai. Apesar disso, o próprio Stone reconhece que sua morte foi uma punição desproporcional e, portanto, um grande erro da democracia ateneniense.

Pláton: o discípulo de Sokrátes era ainda muito jovem na época de minha história, tinha cerca de vinte anos já que deve ter nascido por volta de 425 a.C. É certo que ele era membro de uma família de posses e parente de dois oligarcas convictos (muito malvistos pela história) que são personagens do segundo volume. Seus nomes: Kritías e Karmídes. Apesar da má fama, dois dos diálogos que Pláton escreveu bem mais tarde receberam justamente os nomes de seus parentes.

Alkibiádes: provavelmente o mais questionável e polêmico personagem de seu tempo. De origem aristocrática, belo, audacioso e inteligente, foi amado por muitos e odiado por outros tantos. Era amigo próximo de Sokrátes desde muito jovem, tendo sido salvo pelo filósofo em uma batalha. Suas qualidades o levaram a se tornar o maior entre os atenáioi, fomentando por algum tempo as maiores expectativas por sua liderança militar. Os defeitos de Alkibiádes, porém, causaram grandes males ao seu país e o obrigaram a se exilar para não ser punido. Existem muitos estudos sobre ele, dos quais destaco The Ambition to Rule, de Steven Forde, e Alcibíades ou os Perigos da Ambição, de Jacqueline de Romilly.

Xenofôn: o cavaleiro, mercenário, historiador e filósofo atenáio Xenofôn, filho de Gríllos de Erkía, tinha origem aristocrática e foi discípulo de Sokrátes na juventude. Em sua maturidade escreveu vários livros, dentre os quais Hellênika e Anábasis. Era um admirador dos lakedaimónioi, tendo vivido sob o seu patrocínio por muitos anos de sua vida. Seu interesse em cavalos é confirmado por duas de suas obras: Sobre a Equitação e Hipparkikós (Comandante de Cavalaria). Decidi inseri-lo como sendo um hippêus (o que certamente era), um membro do corpo de cavalaria e (de forma fictícia) amigo próximo de Melántios.

Formísios, Kleitofôn e Ánitos: Os três nomes referem-se a personagens históricos. No livro, os três homens orbitam Teraménes, e são tratados como membros de sua facção. Ánitos também tinha ligações com Trasíbulos, o que reforça a perspectiva de McCoy citada acima. Mas talvez eu tenha sido injusto com eles mostrando-os como subservientes demais ao seu líder. Ánitos ficaria famoso na posteridade, e muito malvisto por isso, como um dos responsáveis pelo processo contra Sokrátes que acabaria na sua condenação e morte anos mais tarde. Porém, não há comprovação de que, de fato, Ánitos tenha caído em desgraça por conta disso.

Eteónikos e Kallíbios: os dois lakedaimónioi são figuras históricas citadas por Xenofôn e Diódoros da Sikelía que atuaram como subalternos de Lísandros, ainda que não necessariamente de forma simultânea. Tratei-os como apoiadores do náuarkos, o que é provável que tenham mesmo sido. Estranhamente, Eteónikos foi mantido por Lísandros mesmo após ter servido ao seu antecessor e grande desafeto Kalikratídas. Kallíbios viria a ter uma nova participação nos eventos tratados pelo segundo volume dessa série.