NOTAS SOBRE A NOMENCLATURA

Optei por usar a nomenclatura original (em grego transliterado para o alfabeto latino) para ser o mais fiel possível às obras da literatura clássica remanescente e para evitar que falsas equivalências modernas pudessem distorcer o entendimento do contexto da época. Cito os principais pontos a seguir:

  • i) Polis x Cidade: Há uma diferença entre os dois, embora comumente o primeiro seja traduzido como o segundo. “Polis” (Pólis), que originou o termo ‘Política’, é utilizado para se referir a uma cidade-estado, um termo criado pelos historiadores modernos para descrever a unidade política básica entre os hellénes, composta por um território com uma constituição e instituições próprias. Equivalia a um pequeno país independente; Já o termo “Cidade” é utilizado para identificar um núcleo urbano com casas, templos, ruas e normalmente cercado por muralhas. Assim, poderia haver muitos núcleos urbanos dentro de uma mesma pólis.

  • ii) Nomes de povos: Os casos mais emblemáticos são justamente os nomes “gregos” e “Grécia”, que não eram utilizados no período de minha história. Ambos derivam de Graikói, nome de uma obscura tribo que habitava o oeste da península grega com quem os romanos primeiro tiveram contato. Hellénes era a forma pela qual os gregos antigos efetivamente se reconheciam e Helláda era a designação do conjunto das terras habitadas por eles. O nome “gregos” acabou se perpetuando através do latim nas línguas modernas. Sem jamais ter formado uma unidade política, a Helláda ia muito além do território da Grécia atual, englobando colônias fundadas pelos Hellénes ao longo das costas do Mediterrâneo e pelas de seus mares interiores, desde a Espanha até o sul da Rússia. Por outro lado, vale ressaltar que a Grécia atual, cujo nome oficial é Ellinikí Dimokratía (ou República Helênica) inclui áreas que na antiguidade eram ocupadas por povos considerados bárbaros como a Macedônia (Makedonía) e a Trácia (Tráke).

  • iii) “Atenáioi e Lakedaimónioi” vs. “Atênai e Lakedaimónia”: os hellénes não se referiam ao nome das póleis em meio às suas histórias, inscrições, leis, tratados ou qualquer outro assemelhado, mas o nome gentílico. Assim, não se afirmaria, por exemplo, que Atênai lutou contra Spárte (ou mesmo a Lakedaimónia), mas que os atenáioi lutaram contra os lakedaimónioi; ou que a Boiotía tinha uma disputa com a Tessalía, mas que os boiôtios tinham uma disputa com os tessálios.

  • iv) Peloponésios, Lakedaimónioi e Spartiátai: Esses três termos podem confundir o leitor, pois são usados de forma (aparentemente) intercambiável, o que não é o caso:
  • a. “Peloponésios” – era a forma mais ampla, aplicada genericamente aos membros da liga formada pelos lakedaimónioi e seus vários aliados, na sua maioria também oriundos da península do Peloponeso. Os historiadores antigos preferiam tratar a guerra como entre os atenáioi e os peloponésios, em vez de entre os atenáioi e os lakedaimónioi.
  • b. “Lakedaimónioi” – era a forma como os habitantes de uma pólis chamada “Lakedaimónia” se identificavam. A Lakedaimónia ocupava uma parte do sul do Peloponeso e seu principal centro urbano era a cidade de Esparta (Spárte). Seus guerreiros costumavam pintar a letra lambda (equivalente ao nosso L) em seus escudos de batalha, e não o sigma (o nosso S) de Spárte.
  • c. “Spartiátai” (plural de Spartiátes) – esse termo era mais restrito, pois designava exclusivamente os cidadãos com plenos direitos políticos na Lakedaimónia e os únicos a possuírem todas as terras. Os spartiátai representavam a casta guerreira e eram treinados unicamente para a guerra desde a infância. Eram um pequeno número (talvez 10 mil em seu auge) se comparado aos demais habitantes da Lakedaimónia, em uma situação semelhante ao apartheid que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994.

  • v) Cargos militares: É importante entender que os exércitos antigos não eram formados por soldados profissionais, mas por cidadãos mobilizados em campanhas de verão que lutavam com armas compradas com o seu próprio dinheiro. Tampouco seus líderes eram diferentes. Não havia oficiais de carreira, apenas magistrados eleitos por influência política com mandatos de apenas um ano e que, frequentemente, não possuíam a necessária experiência militar. Somando-se a isso, as leis impunham restrições inconcebíveis nos exércitos modernos, como no caso de Atênai (Atênai), onde dez líderes eleitos pelo voto eram obrigados a exercer o comando de forma rotativa diária durante uma campanha. Entre os lakedaimónioi havia uma lei ainda mais estranha que impunha que o comando geral da frota, um cargo com mandato anual, só poderia ser exercido por alguém uma única vez em sua vida. Por essas razões, optei por termos como strategós (líder de exército), náuarkos (líder dos navios), triérarkos (líder e provedor financeiro de uma triéres) e hippárkos (líder dos cavalos), dentre vários outros.

  • vi) Cargos políticos e administrativos: tal como os militares, os cargos ditos civis também não eram ocupados por políticos e servidores profissionais como nos estados nacionais atuais. Cito o exemplo de Atênai mais uma vez, onde a maioria desses cargos (com mandatos anuais) era preenchida por sorteio. Não vejo como traduzir buleutái (os membros da Bulé, ou o conselho dos quinhentos) por um termo moderno que faça algum sentido (a função dos “buleutái” era elaborar as matérias a serem votadas na “Ekklesía”, a assembleia aberta a todos os cidadãos. Chamá-los de “senadores”, portanto, me parece uma simplificação inadequada, já que a função de um senado atual não é a de se submeter à câmara baixa, mas o contrário). Prítanis e Árkon são outros dois termos de difícil tradução. O primeiro designava um representante das divisões que compunham o sistema eleitoral atenáio, já o segundo um magistrado encarregado, entre outras atividades, de cuidar dos festivais religiosos.

  • vii) Unidades de medida: Por uma razão prática, não quis impor ao leitor constantes cálculos mentais para converter. Por isso utilizei unidades modernas em meu texto. Seria muito desagradável, por exemplo, converter mentalmente medidas expressas em stádion (184,9 metros), plétron (950 m2) ou kotíle (0,27 litros), entre muitas outras. Uma exceção foi o sistema monetário antigo, por razões óbvias. Adotei o padrão áttiko-eubóiko, muito usado na antiguidade, que era composto por óbolos, drákma (=6 óboloi), mná (=60 drákmai) e tálento (=100 mnái).

  • viii) Calendário: O mais correto seria dizer “calendários”, já que cada pólis tinha o seu próprio. Em cada pólis os anos eram identificados pelo nome de um magistrado local e os meses por nomes de relevância regional. Para piorar, nem mesmo o início de cada ano era sincronizado entre os diferentes locais. Embora houvesse o costume de se marcar o tempo com base nas olimpíadas, que ocorriam a cada quatro anos, isso não era prático para o uso diário sendo, portanto, restrito aos relatos históricos. Como se trata de datas anteriores ao ano ‘zero’, os anos são apresentados por números decrescentes acrescidos da notação a.C. (antes de Cristo), enquanto os meses são apresentados em sua sequência atual, de janeiro a dezembro. Assim, o mês de Jan/405 a.C. vem depois de Dez/406 a.C.

Notas: 

No <Glossário de Termos Gregos> o leitor encontrará uma lista de todos os termos utilizados.

O calendário a partir das Olimpíadas era pouco usado no século V a.C. e, mesmo mais tarde, era útil apenas para fins históricos, já que sua imprecisão inerente o tornava completamente inadequado para a vida cotidiana