Comparo escrever ficção histórica com a tarefa de completar a imagem de um quebra-cabeça a partir de algumas poucas peças existentes colocadas no que seriam suas posições corretas. Essas peças são os eventos conhecidos, sejam eles registrados na literatura remanescente, em inscrições ou em achados arqueológicos. O escritor deve, então, compor sua história preenchendo os vazios com a sua própria imaginação para formar uma imagem completa sem entrar em conflito com o que se sabe que aconteceu de verdade. Tomei a liberdade de inserir personagens fictícias para interagir com as personagens reais e assim ampliar a abrangência dos eventos narrados. Somando-se a isso, eventualmente adotei a versão que me permitisse explorar melhor a ação em meio às interpretações por vezes conflitantes entre os historiadores modernos sobre determinados fatos do passado.
A Guerra do Peloponeso é complexa demais para ser apresentada com algum nível de profundidade em um romance com poucas centenas de páginas. Isso se deve à sua longa duração, vinte e sete anos, à consequente miríade de eventos ocorridos (em geral muito confusos), o envolvimento de muitos personagens e dezenas de lugares diferentes. Optei, então, por limitar a minha história a um período muito mais curto do que o usual em romances deste tipo, preferindo sacrificar a amplitude cronológica em prol da amplitude do espaço e de pontos de vista. Isso me permitiu mostrar as outras polaridades em conflito fora do âmbito estritamente militar: defensores vs. críticos da guerra, democratas vs. oligarcas, ricos vs. pobres, cidadãos vs. não cidadãos e homens vs. mulheres. Cada uma dessas polaridades influenciou o desenrolar dos acontecimentos de uma forma própria e achei que seria interessante descrevê-las. Mais do que a guerra, meu objetivo maior foi apresentar um pouco da vida quotidiana da fantástica civilização grega antiga.
A amplitude de temas a tratar me obrigou a buscar fontes mais qualificadas para minha pesquisa, tendo de ir além dos livros disponíveis no mercado brasileiro e em bibliotecas acessíveis. Com o enredo mais ou menos definido em mente, precisei também criar um método minimamente coerente para guardar e fazer uso do material lido à medida que ele se tornasse necessário, ou me perderia ao longo do caminho. Para um não acadêmico como eu, oriundo das ciências exatas e sem experiência com pesquisas sistemáticas, isso não foi tão simples, ao menos no início. Paradoxalmente, logo percebi que o mais difícil não seria encontrar o que julgava precisar, mas triar o que deveria ler devido ao imenso volume de material existente por conta da difusão de livros eletrônicos e sites com material acadêmico, tais quais ProQuest, JSTOR, Academia, Perseus Digital Library, The Stoa Consortium, entre vários outros. Isso ampliou as possibilidades de conhecimento a um nível inimaginável poucas décadas atrás e me permitiu ter acesso a praticamente tudo o que já se produziu de pesquisa sobre história grega no mundo ocidental (ou, ao menos, tudo o que foi produzido ou traduzido para a língua inglesa). O que encontrei é um volume superior ao que eu poderia ler em uma vida inteira. Os artigos acadêmicos e dissertações são particularmente úteis quando se quer conhecer com maior profundidade algum tema mais específico, tratado genericamente em livros. É um processo quase viciante no qual a leitura de um texto nos leva a consultar outros e mais outros em uma busca quase frenética. Chegou um momento em que foi preciso parar, lembrando-me de uma simples realidade: eu não estava escrevendo uma dissertação, mas um livro de ficção. Na página Bibliografia Selecionada (http://hellenika.com.br/bibliografia-selecionada), listo os títulos mais relevantes (entre livros e dissertações) que utilizei em minha pesquisa, agrupados por assunto.
Como complemento à literatura, tive oportunidade de conhecer in loco os sítios arqueológicos narrados no texto, o que ampliou muito minha visão do que neles aconteceu no passado. Apesar da grande destruição ao longo dos séculos causada por guerras, saques, terremotos, depósito de sedimentos carregados pelos rios e a extração de material das ruínas para reuso em construções posteriores (talvez a maior causa dessa destruição), ainda há muita coisa para se ver que seja relativo à antiguidade clássica, tanto na Grécia como nos países vizinhos, em especial na Turquia (colonizada por gregos no passado). Os locais mais conhecidos e visitados, naturalmente, ficam em Atenas e nos arredores: o Acrópole, a Ágora, o Kerameikós e o belíssimo cabo Sounion. Não muito longe dali, destaco o santuário de Delfos e o sítio da antiga Olímpia (local onde se originaram os jogos que ali foram disputados por mais de 1.100 anos). A incrível ilha de Delos (quase anexa à badalada Mykonos) mostra o que seria um tipo de “hub”, um entreposto pan-helênico, tendo sido a sede da famosa Liga de Delos. No litoral da Turquia nada se iguala ao vasto sítio da antiga Éfesos, ainda que as ruínas existentes remetam aos tempos romanos. Mas há lugares menos visitados e que são encantadores para os amantes de história, tais como a antiga Esparta, ao pé do Monte Taigeto, os sítios das famosas batalhas das Termópilas e de Maratona, as ilhas de Corfú (Kérkira em grego), Rodes e Samos, entre outros. Não menos impressionante é a beleza física do país, marcada por ilhas, golfos, montanhas e vales onde nenhum lugar dista mais do que algumas dezenas de quilômetros do mar, o wine-dark sea citado em Homero. Em minha (completamente parcial) opinião, a aliança entre o espaço (a fantástica geografia) e o tempo (a história grega) não ocorre em tão perfeita harmonia em nenhum outro lugar do mundo. No menu “Mapas e Galeria”, apresento fotos dos principais locais citados no livro.
Minha terceira fonte de informações foi a visita aos grandes museus especializados no assunto. Em Atenas situam-se dois deles: o Museu Arqueológico Nacional e o Museu da Acrópole (desde 2009 em sua nova sede). Embora pequenos, não poderia deixar de citar três outros que me impressionaram bastante: o Museu Arqueológico de Olímpia, por sua fantástica coleção de elmos e armas antigas, um de meus principais interesses; o Museu Marítimo Helênico, onde está sediada a trirreme Olympiás, uma réplica de uma galera de guerra grega do século V a.C.; e o Museu Arqueológico de Delfos, que mostra o material escavado no santuário. Outras grandes coleções estão expostas nos museus no norte da Europa e nos EUA, fruto das expedições arqueológicas bancadas por universidades e institutos de pesquisa ao longo do tempo. Cito os que visitei: o Museu Britânico em Londres é certamente o melhor de todos por conta do volume de itens expostos e dos mármores do Parthenon; a Museumsinsel, ou Ilha dos Museus, em Berlin, tem um acervo impressionante, relativamente pouco conhecido se comparado ao Louvre e ao MET em Nova York. Acrescento ainda o MFA (Museum of Fine Arts) em Boston, ampliado em 2010 ao custo de impressionantes U$ 500 milhões
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